pesquise no blog

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Expansão

Importa a duração das horas, algumas, poucas, uma ou duas, duas ou quase três. Não contei, mas nisso fiquei, entretido nas revelações. Aquilo que havia escrito na postagem anterior ganhou contornos mais vastos. Comecei a traçar um processo criativo analógico a ser escrito por meio de duas tramas: a trama ficcional e a trama atual (ou real, ou mesmo biográfica). Nossa peça seria então a coexistência dessas tramas: uma trama única feita por duas outras tramas, simultâneas, enoveladas.

Para retomar: trama é o modo como as ações trabalham. Diz Eugenio Barba que trabalham as ações - tudo aquilo que age sobre a atenção, a compreensão, a emotividade e a sinestesia do espectador - por meio de dois tipos de trama: concatenação (ou encadeamento) e simultaneidade. Não é um ou outro, mas sempre os dois modos em dialética. Falar sobre tipos de trama só é possível se partimos da compreensão de que dramaturgia não é (apenas) palavra no papel, mas sim tudo aquilo que age sobre o espectador. Será, portanto, um processo colaborativo de composição da dramaturgia (posto seja ela também cênica, espacial etc.).

Abro já um questionamento sobre as nomenclaturas aqui lançadas: uso o termo trama ficcional e atual mas não de modo análogo às tramas do trabalho das ações (da dramaturgia). Poderia dizer, ao invés de trama ficcional, por exemplo, apenas ficção. Poderia chamar trama atual de atualidade. Talvez seja bom pensar nisso para não exaurir os termos e confundir o que não precisa ser confundido.




Ontem trabalhei bastante. Fiz duas listagem, uma para cada trama, listagens com informações, dados sobre (1) a fábula de vida desse personagem marciano e (2) dados acerca da vida do ator Márcio Machado (neste mundo de hoje, nesta atualidade). Ao fazer tais listas, duas questões se instauraram de modo nevrálgico:

1ª - Qual é a especificidade desse extraterrestre?
2ª - Como a mãe (alguma memória dela ou mesmo a ignorância dele sobre ela) aparece para o marciano?

Sobre a segunda questão: ela é importante porque esse marciano não sabe muito sobre a sua própria história. Penso que o percurso da peça será também um percurso (trágico) desse ser ganhando consciência de si, sobre quem ele é sem saber que sempre foi: um extraterrestre (retomar Nietzsche a a afirmação trágica da vida). Adiante especularei mais sobre isso.

Sobre a primeira questão: já havia especulado algo sobre a especificidade dele nesse blog. Numa postagem datada de 7 de dezembro de 2017 - Qual diferença ele possui? - escrevo o seguinte:
Para além da pele amarela, há algo nesse ser que extrapola a condição humana, que a assusta justamente por ser diferente. Há um saber, uma consciência sensível, uma consistência muito afetiva, estrangeira (que lembra Jesus Cristo) e que diz respeito unicamente ao modo pelo qual esse ser sente. Não é uma questão cultural, de criação, por exemplo. É uma questão fisiológica, interna, do corpo. Diz respeito a uma sensibilidade (uma filosofia prática).
Sobre essa capacidade/habilidade de YELLOW, eu poderia arriscar algumas hipóteses: acho que esse ser é menos eu e mais o outro. Ele é mais passagem, mais caminho do que ser centrado e individuado. Fiquei pensando qual diferença seria de fato ameaçadora à raça humana? Ora, uma existência que não se acha o centro do universo seria uma ameaça ao homem. Uma existência que não vê no "eu" a salvação do planeta, sem dúvida, é uma grande ameaça.
A sensibilidade de YELLOW é a de ser passagem, é a de ser caminho, para o outro, para outras narrativas; narrativas da alteridade. A sensibilidade dele - que é quase um super poder - é para o fora, não para si, não para o dentro apenas. É, desde já, uma crítica ao antropocentrismo. Ele tem a habilidade de ser frequentado pelas coisas mais do que apenas ser alguém. Ele, nesse sentido, vive a vida em tempo espiralado, em simultaneidade, junto ao eterno retorno.
Hoje, após mais de um ano desde essa postagem, desconfio dela integralmente. Não da honestidade dela, isso tinha, mas sinto-me utilizando palavras da vez, modismos da linguagem e da conceituação. Ser caminho, ser passagem, ser alteridade. Ora, por favor. Tudo um pouco excessivo, hoje observo. É preciso se lembrar de sempre ser rigoroso, implacavelmente rigoroso: qual é a especificidade do personagem Yellow? Eis que o capítulo de Cassiano Sydow Quilici - que mencionei na postagem anterior e logo em seguida finalmente li - me abriu um caminho promissor e que já vinha, por outras vias, se procriando em mim.

Ele diz respeito ao humor. A especificidade de Yellow é o seu humor - ou como afirma Martin Heidegger - sua abertura essencial, sua disposição, que é o traço fundante da sua presença. Ainda estou lendo o texto de Quilici como também vasculhando o tratado "Ser e Tempo" do Heidegger, mas já é algo muito mais afiado e concreto para mim do que dizer que esse personagem é passagem, é alteridade, é isso ou aquilo. Para o primeiro encontro, de amanhã, já levarei esse texto do Quilici impresso. Tenho a sensação que ele valoriza as intuições e desejos do Márcio (pelo humor, não propriamente esse humor filosófico que Quilici nos revela) e também os meus desejos criativos e investigativos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário