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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Aquilo que ficou, o que continua

Não foi muita coisa aquilo que em mim ficou. A bem da verdade, não quero que seja tanta coisa assim. Volto ao início para recomeçar o jogo criativo. Em dezembro, escrevi uma monografia para o doutorado intitulada "Não o enunciado do vento, mas o vento apenas", a partir da noção de "experiência interior" de Georges Bataille. Desde quando a conheci, não consegui pensar em outra coisa que não em Yellow. Por isso, nessa monografia, busquei ir nessa noção para avaliar outras possibilidades para o meu corpo enquanto criador nessa nova empreitada.


Pois a seguir, destaco aquilo que me usei para compor as breves reflexões da monografia. Destaco apenas um punhado de palavras que me dão aquilo que honestamente preciso para recomeçar, para começar de novo, começar renovadamente esse processo de criação que ocupa a sala de ensaio do CCBB a partir de quinta-feira (10 de janeiro de 2018):
Ele (não sei se há gênero marcado) cumpre alguma penitência no planeta Terra. Pensei que não há essa coisa de pai e mãe em Marte. Há apenas mãe. E nem sequer chamamos mãe desse nome. Cada ser que nasce é mãe de um único ser. É uma lógica, talvez, sobre continuidade. Eu (ser marciano) nasço e quando estou a tantos anos de minha morte, dou à luz um ser que continuará meu caminho. Só que olha o que aconteceu: o ser que gerou o nosso personagem não quis perde-lo. Vamos chamar esse ser de mãe. A mãe dele o fez nascer e, talvez, por amor, não quis perde-lo. Ela (a mãe) fez alguma coisa, cometeu algum crime que a faria viver mais tempo junto ao seu filho (não sei se eles falam filho). Só que essa trapaça foi descoberta e como punição, Ele foi expulso de Marte deixando sua mãe lá, sozinha, perecendo até o dia de sua morte. Ele, agora, em penitência na Terra (sem saber o motivo), traz consigo algo (seria uma memória) de sua “mãe”. Ele vive e no seu rastro um pequeno punhado de imagens amareladas. Ele está prestes a completar o número exato de anos que sua “mãe” teve. E quando esse número se completar ele voltará à Marte. Uma penitência que ele paga pelo amor que a ele foi destinado. Saberiam amar os marcianos? Por que a puniram por conta disso? Fato é que na Terra é onde ele se descobre alguém (independente de raça, cor ou gênero). Ele descobre um punhado de coisas só que agora é hora de partir. É hora de, mais uma vez, morrer. Deixar de ser. O que ele aprendeu? Quem ele conheceu? O que ele descobriu? O que ele poderia nos ensinar? Tal como uma maldição, ele hoje precisa provar que sua penitência funcionou e que algo foi feito durante esse tempo. Ele precisa provar que aprendeu alguma coisa. Ele, tal como um escravo, precisou gastar seu corpo e oferecer à Marte algum saber sobre o homem (raça considerada um tanto perigosa). Talvez ele venha a nos dizer um pouco sobre o ser humano. Sobre o amor, a finitude das coisas, a dor, a saudade, essas coisas humanas por excelência e que, por isso mesmo, movem guerras, alegrias, dores e revoluções sem fim.
Uau. Nem é pouca coisa assim, mas é aquilo que ficou. Nasceriam mil criações a partir desse breve parágrafo. Interessa-me, profundamente, a coisa da mãe. Essa coisa da continuidade, do amor, dos crimes (desmedidas) de uma mãe para proteger - amar em segurança - sua cria. Acredito que interesse também ao Márcio. O que percebo?

Uma trama análoga. Melhor: duas tramas em analogia. A trama ficcional do marciano e a trama objetiva, real, do Márcio Machado e desse mundo em que vivemos agora. Lanço-me uma pergunta: o que uma trama pode revelar da outra? Quais dispositivos exclusivos essas tramas possuem que poderiam, se usados na trama outra, revelar algo nevrálgico, único, rigoroso, implacável?

Essas são as questões que nesta noite de segunda-feira, 07 de janeiro de 2018, consigo abrir. Abrir sem força, cuidando da alegria e da tranquilidade que havia mencionado anteriormente. São questões muito boas porque abrem e não fecham, não ainda. Questões que me fazem encontrar possíveis enraizamentos para um projeto ainda sem solo, sem maquinação para se nutrir. É assim mesmo, não me assusta, me anima.

Registro aqui o que farei a seguir (é um modo de me comprometer): vou dar uma folheada no livro "O ator-performer e as poéticas da transformação de si" de Cassiano Sydow Quilici. Intuo, honestamente, que há algo do informe (que me remete à Bataille) e da mescla ator-performer (outra analogia) que pode me nutrir nesse início em sala de ensaio.

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