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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Por que queremos que determinada "coisa" se dê de determinado "modo"?

Há um dado que desorienta ou reorienta positivamente esta futura encenação. Antes, estava certo de que YELLOW aconteceria num palco italiano, novamente uma peça com os espectadores em posição frontal à cena. Por questões relativas ao patrocinador, nosso espetáculo terá que estrear num teatro cuja disposição espacial da peça pode ser qualquer uma, exceto italiana.

Num primeiro momento, alguns meses - é verdade -, isso me chateou. No momento seguinte, vi a chateação se transformando em um convite muito pertinente. Observo como eu, nessa posição de encenador, estava querendo privilegiar a mise-en-scène de YELLOW, a despeito do acontecimento, da ação propriamente dita.

Com essa exigência em termos espaciais, comecei a pesquisar na história do teatro alguns significados outros para o jogo que estamos começando a compor. E eis que encontro, a título de um exemplo, apenas um exemplo, uma encenação de 1962 feita por Jerzy Grotowski e os artistas de seu Teatro Laboratório. Trata-se de "Kordian".


É o próprio acontecimento da narrativa que o espaço "encena". Espectadores e atores misturados numa mesma sala. O olhar do público não é direcionado para um ponto fixo, mas, gosto de ler dessa maneira, é convidado a frequentar o espaço, entrar nas situações, recusá-las. Naturalmente, não quero dizer que me interessa simplesmente fazer algo parecido. Antes, me interessa perceber que estou acordando novamente a minha sensibilidade para os possíveis inúmeros que o teatro pode oferecer.

Se pensarmos YELLOW nesse grau de proximidade, vejo que intensificarei o trabalho do ator Márcio Machado, afinal, sua ação será colada ao espectador e - se quisermos fazer com que algo aconteça, que o ator dê seu corpo e sua alma a esse ser estrangeiro - assim, é como se colocássemos o espectador dentro da situação onde se encontra o extraterrestre.

Não importa definir. Importa lembrar que é determinante nos perguntarmos, incessantemente, nem bem o que queremos (porque acho que já estamos demasiadamente condicionados a querer "coisas" em cena), mas - essencialmente, precariamente, cruelmente - por que queremos que determinada "coisa" se dê de determinado modo.

Porque o fazer teatral tende a se formalizar por conta de nossa época, de nossa cultura, de nosso ego e de nossos medos e receios. Em um processo de criação, ao menos neste, quero ser muito radical em relação às escolhas, sem medo a me nortear; isso seria o que para mim é criar.

sábado, 1 de dezembro de 2018

Uns minutos, algumas horas


É. Cá estou eu mais uma vez, tentando começar, recomeçar, começar de novo, renovadamente. Parece que teremos uma estreia em junho de 2019. Tudo certo, mas tudo ainda daquele jeito, sem nenhuma certeza. Mas, tendo em vista que não tenho como esperar por uma definição mais certa, preciso acreditar e dar início efetivo a essa criação.

Faz alguns minutos eu estava sobre o meu caderno de criação, o primeiro deles, um grande livro de atas com muitas e muitas folhas disponíveis. Escrevi um punhado de considerações, desejos, sensações, imagens e também um pouco da trajetória toda. É a primeira vez, nesse 2018, que escrevo algo nesse caderno e, honestamente, sinto que passarei a trabalhar mais nos próximos dias.

Esta imagem, acima, não é nada, mas há de ter nela - em seu mistério - alguns traços que porventura possam se transformar em algo mais nítido no adiante. Começo a sentir algo bom em relação a este projeto, aquele desafio que fascina, algo que faz muitos anos já não sentia.

Que assim seja. Que assim continue sendo. Faz quanto tempo que não vivo mais isso de criar em companhia?

domingo, 2 de setembro de 2018

Retomada



Ao que tudo indica, finalmente poderemos retomar o processo criativo de YELLOW já com a data de estreia fechada. Ganhamos o patrocínio do Banco do Brasil no início de 2017 e, no entanto, até agora não tínhamos previsão de estreia por questões orçamentárias e de falta de pauta. Temos uma reunião na próxima semana visando fechar a pauta de estreia, bem como afinar questões de produção.

Com leveza, vou me deixando atrair novamente por esse universo. Todo o processo de começar, parar, voltar e parar novamente a criação dessa peça foi bastante danoso a mim. Não só a mim, claro, mas escrevo em primeira pessoa. Depois de muitos inícios e interrupções, decidi que só voltaria ao YELLOW caso fosse para, de fato, estrear. Essa decisão, intencionada, foi bastante salutar, continua sendo. Permitiu que eu me afastasse um pouco e, agora, quando esboço um retorno, sinto-me melhor, mais tranquilo e disponível.

Algumas linhas, contemporâneas entre si, sustentam esse processo: a linha da produção e a linha da criação. Uma influi na outra e a saúde ou doença que, porventura, surja pelo caminho, em uma dessas linhas, imediatamente afeta os rumos da outra linha, desorienta os sentidos todos. Quando falo dessa interrupção que fiz, afirmo que a fiz porque senti que precisava parar de pensar as questões criativas à sombra dos tormentos de produção. A criação, às vezes, mais do que planejamento, é pura disponibilidade. Saber-se disponível basta para criar uma nova peça de teatro.

Nesse sentido, agora, ao me revistar e revisitar, percebo alegremente que sei de pouco ou quase nada. Aliás, de tudo o que eu sabia, pouco quero rever, pouco quero reaver. Não vou retomar discussões e especulações. Deixo passar para perceber as coisas que - de fato - se fizeram carregar junto a mim. Quando me imagino em sala de ensaio com o Márcio, visualizo o seguinte: um papel na mão dele, outro - igual - na minha. Eu numa cadeira, ele de pé, pelo espaço. Em nossos papéis, um jorro de palavras que eu teria escrito um ou dois dias antes do ensaio. E assim o jogo começaria.

Visualizo, imagino, a palavra trepidando, o espaço nu pedindo (ou não) por preenchimento. Matéria e imaterialidade dançando juntas: carne, pele, cabelo, ar, luz, som. Um ou outro workshop com um(a) pesquisado(a) sobre um determinado assunto. Trabalho de composição: atualidade, memória e imaginação. Labor voltado à criação de quadros. Quadros em movimento. Um balé dramatúrgico e corporal. Uma luz fina. Um gesto grosso. O verbo na boca, o verbo do corpo.

Que potência poder criar não. Que delícia voltar a poder criar sim.