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sábado, 12 de janeiro de 2019

"O menino experimental" de Murilo Mendes (1901-1975)


O menino experimental come as nádegas da avó e atira os ossos ao cachorro.
O menino experimental futuro inquisidor devora o livro e soletra o serrote. 
O menino experimental não anda nas nuvens. Sabe escolher seus objetos. Adora a corda, o revólver, a tesoura, o martelo, o serrote, a torquês. Dança com eles. Conversa-os.
O menino experimental ateia fogo ao santuário para testar a competência dos bombeiros. 
O menino experimental, declarando superado o manual de 1962, corrige o professor de fenomenologia. 
O menino experimental confessa-se ateu e à toa. 
O menino experimental é desmamado no primeiro dia. Despreza Rômulo e Remo. Acha a loba uma galinha. No oco do pré natal gritava: “Champanha, mamãe! Depressa!”. 
O menino experimental decreta a alienação de Aristóteles. Expulsa-o da sua zona, com a roupa do corpo e amordaçado. 
O menino experimental repele as propostas da prima de dezoito anos, chamando-a de bisavó. 
O menino experimental, escondendo os pincéis do pintor, e trancando-o no vaso sanitário, obriga-o a fundar a pop art, única saída do impasse. 
O menino experimental ensina a vamp a amar. Dorme com o radar debaixo da cama. 
O menino experimental, dos animais só admite o tigre e o piloto de bombardeiro. Deixa o cão mesmo feroz e o piloto civil às pulgas. 
O menino experimental benze o relâmpago. 
O menino experimental antefilma o acontecimento agressivo, o Apocalipse, fato do dia. 
O menino experimental festeja seu terceiro aniversário convidando Jean Genet e Sofia Loren para jantar. Espetados na mesa três punhais acesos. 
O menino experimental despede a televisão, “brinquedo para analfabetos, surdos, mudos, doentes, antinietzsches, padres podres e croulants”. 
O menino experimental atira uma granada em forma de falo na mãe de Cristovão Colombo, sepultando as Américas.

Publicado originalmente em Poliedro − Roma, 1965/1966.

"Canção para Guitarra" de Andréi Biéli (1880-1934)


Eu
Estou nas palavras
Tão morbidamente
Mudo:
Minhas sentenças são
Máscaras.
E –
Falo
A vós todos –
– Falo
Fábulas, –
– Porque –
Assim me foi designado,
A razão –
Não a entendo;-
– Porque –
Há tempos tudo se foi no escuro,
Porque – tudo é igual:
Quer eu
Saiba ou não saiba.
Porque só há tédio em toda parte.
Porque a fábula é de esmeralda,
Onde –
Tudo é outro.
Porque há esta avidez dos borrifos
Do prazer;
Porque a difícil
Existência
Para todos –
– Tem um só desenlace.
Porque –
– Em suma,-
– Para que
Este inferno?
Porque –
– Para todos
Há um só fim.
E me rompe este riso.
Do
Destino
De todos –
– E –
– De
Mim.
1922
Tradução de Augusto de Campos