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sábado, 19 de janeiro de 2019

Da situação como concentração de movimento

Sigo eu nessa jornada teórica-intempestiva, profana mesmo, usando tudo ao meu redor para seguir abrindo caminhos. É assim como faço, é como gesto de fazer, me alimenta a potência, me faz sorrir, amanheci sorrindo. Faz tempo que penso na palavra situação como uma grande catalisadora da criação teatral (dramatúrgica e cênica). O que seria, nesse maremoto de possibilidades, isso que chamo de situação?

Recorro ao dicionário e descubro que a palavra "situação", substantivo feminino, possui várias acepções possíveis. Cito algumas: 1) ato ou efeito de estar situado; 2) lugar, localidade; 3) condição, caso; e 4) o estado dos negócios, combinação de circunstâncias. Pois bem: situação seria algo como estar situado numa localidade (ou condição) específica. No caso de uma peça de teatro, provavelmente (assim estamos acostumados), tal especificidade diz respeito a uma conjuntura especial, única, aquela que acontece ali no aqui-agora da performance teatral.

Por que tenho pensando tanto em situação como esse catalisador teatral? Ora, parece-me óbvio, mas, desde Sinfonia Sonho (2011), descubro a situação como um modo de revelar o drama. É como se ele estivesse aprisionado nas ideias e imagens, sinopses e conflitos da criação, mas precisasse de um modo específico para vir a ser. Então, quando eu coloco o drama em uma situação específica - e, por isso, especial e intencional (artificial e artística) - ele me revela aquilo que eu nem sabia, mas que mora dentro da coisa toda, que - de um jeito ou de outro - anima aqueles seres a aparecer.

Vou à morfologia das expressões que compõem a palavra "situação". São duas: "situar" + "ção". "Situar" é um verbo que diz respeito a pôr em determinado sítio, colocar. Como sinônimo, podemos dizer que situar é também enxergar-se. Já "ção" - enquanto um sufixo - é uma terminação usada na formação de substantivos derivados de verbos que trazem em si a ideia de ação, de processo. Esse sufixo invoca à necessidade de um agente causador dessa ação.

Muita coisa. Tento inventar algo a partir disso: situar é enxergar a si mesmo num sítio onde se foi colocado ou no qual determinado alguém se colocou. No entanto, este sítio - esta situação - constitui-se como um movimento, um acontecimento: algo em processo. Assim, a situação - tal como a vejo agora - denota uma transformação, um percurso. Lembro-me de Sinfonia (e naquela época isso me era tão intuitivo): na primeira cena, uma família está num carro, numa viagem de mudança para outra cidade. Estão cansados, quase concluindo uma longa viagem: as crianças estão já amuadas com o longo percurso, querem chegar e há as expectativas para o dia seguinte, com a casa nova etc.. Ou seja: há um presente e um futuro premente. Na mesma situação, há o antes, o instante daquele agora e uma antecipação ligeira do que virá. A situação é o movimento concentrado.



A situação é a concentração do movimento. Por isso, quando penso em situações para Yellow, penso em contextos específicos que não podem ser quaisquer: precisam, antes, dizer minimamente sobre um antes, assegurar um instante presente e premeditar aquilo que virá. Por isso, pergunto, em quais situações colocar Yellow? Talvez em situações cujos títulos sejam terminados em "ção". Risos. Atualizo, a seguir, os nove momentos, as nove situações que tenho listadas para a composição do percurso dessa dramaturgia:
CRUCIFICAÇÃO - Yellow gera sua cria, em Marte, e é crucificado. 
DESCONTINUAÇÃO - Yellow contamina Marte com o amor terráqueo. 
INFERTILIZAÇÃO - Yellow assimila a lógica reprodutiva de Marte. 
INSIGNIFICAÇÃO - Yellow é bem sucedido em mais uma defesa. 
INTERVENÇÃO - Yellow em mais uma sessão de terapia. 
MEMORAÇÃO - Yellow enterra a sua mãe terráquea. 
OBSERVAÇÃO - Yellow abre os olhos e está preso numa cela. 
ORIGINAÇÃO - Yellow se reencontra com o ser que o originou. 
TONAÇÃO - Yellow retorna a Marte, após quase cinquenta anos.

No entanto, algumas palavras não me soam tão belas, não tão rítmicas, não tão sedutoras assim. Refaço as apostas, mantendo os propósitos acima descritos;
CRUCIFICAÇÃO - Martírio 
DESCONTINUAÇÃO - Amor 
INFERTILIZAÇÃO - Estado 
INSIGNIFICAÇÃO - Ignorância 
INTERVENÇÃO - Terapia 
MEMORAÇÃO - Mãe 
OBSERVAÇÃO - Cela 
ORIGINAÇÃO - Origem 
TONAÇÃO - Regresso

Interessante experimentação a situação do amor, o amor enquanto situação. A situação da cela, a cela enquanto uma situação. A situação do estado, o estado enquanto uma situação. A situação da ignorância, da mãe, do martírio, a situação da origem e do regresso, a situação da terapia. Assim, eis as situações - em ordem alfabética - que a dramaturgia pretende desdobrar:
AMOR
CELA
ESTADO
IGNORÂNCIA
MÃE
MARTÍRIO
ORIGEM
REGRESSO
TERAPIA

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