Faz meses não escrevo nesse blog. O que não quer dizer - definitivamente - que não esteja escrevendo muito. O processo de YELLOW BASTARD segue firme, intenso, revelador e um tanto desafiador. Faz parte do caminho. Estamos a seis semanas da estreia, que será no dia 26 de junho desse 2019. A narrativa do romance foi finalizada já faz umas semanas, bem como a dramaturgia. Nas últimas semanas, fizemos passadas da cena 1 até à cena 7, contando sempre com a presença da equipe de criação e de amigas e amigos convidadxs. É um momento oportuno para testarmos essa loucura que estamos criando.
Loucura? Ora, sim. No mínimo, algo fora dos padrões. Em primeiro, fora dos nossos padrões. E isso é o mais lindo e, talvez por isso, o mais louco. É lindo - assim eu sinto - ver uma criação se criando e começando a mostrar sua cara, seu corpo, sua força. É estranho. Eu não sei o que é isso, apesar de estar ali, criando junto. É espantoso o jogo das formas e das intensidades, assustador e apaixonante a trama dos sentidos e de tantas sensibilidades. É tão bonito ver o Márcio reagindo a tudo e compondo, nunca parando de compor, buscando entender e confiando destemidamente no medo que o sustenta. E trabalhar em companhia, junto às pessoas que você admira, isso realmente é o que me importa.
Para além das resoluções inúmeras e da criação propriamente dita, que segue em fluxo, seria preciso que eu conseguisse criar distância, sabe? Olhar para essa criação na distância para fazer algumas perguntas bem violentas, bem rigorosas, cruéis, eu diria. Seria preciso perguntar a YELLOW BASTARD qual é a dele. Qual é a sua, hein? O que você está querendo? Que gesto é esse que você está fazendo? Com qual propósito e, obviamente, para quem? Você fala com quem que não apenas consigo mesmo? São perguntas que não cessam e que não precisam cessar. Fica - e vale - o movimento do processo criativo.
Estamos descobrindo a nossa cenografia, a nossa iluminação, em breve o figurino, a trilha sonora e a voz, o corpo. Estamos moldando e compondo - fazendo escolhas juntxs. Estamos em processo de criação e de produção. Criação-produção, como costumo dizer, tudo enredado. É um privilégio poder fazer e um privilégio maior ainda fazer tudo isso com carinho, amor, escuta e cuidado. Isso é o mais difícil, ao mesmo tempo, é mesmo o mais essencial. Comemorando dez anos de Teatro Inominável, YELLOW é nossa décima criação. É um presente estar vivo para criar essa nova criação.
Acordei hoje cedo e senti vontade de fazer a imagem anterior. Ela desenha uma espécie de cronologia da cor neste espetáculo. São as mutações tonais da pele de nosso protagonista. Ele muda de cor. Começa branco, passa para amarelo, depois queima - vermelho, queima até ficar preto e no mais profundo de sua "humanidade" incinerada, faz brotar o rosa-pink. Que loucura, que loucura, que magia, que amor, que delícia. Adiante, sempre adiante!
Blog do processo de criação de Yellow Bastard, peça teatral da companhia carioca Teatro Inominável
Dramaturgia de Diogo Liberano, direção de Andrêas Gatto e Liberano, performance de Márcio Machado e produção de Clarissa Menezes.
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segunda-feira, 20 de maio de 2019
domingo, 31 de março de 2019
Até o instante em que estamos
Por vezes esse blog me volta como um diário, um lugar onde escrevo sobre o caminho percorrido e não necessariamente sobre a criação da peça em si.
Fato é que neste mês de março eu quase nada escrevi. O motivo é que estou terminando de escrever o romance e tem sido um desafio tremendo. A última postagem fiz antes de ir para Vassouras, onde passei o carnaval a escrever.
Hoje, quase antes do início de abril, ainda tenho muito a fazer. Nessa primeira quinzena de abril o meu foco é finalizar o romance e as cenas finais. São mais cinco capítulos-cenas e nunca antes senti tanta dificuldade. É óbvio. Aquela coisa do desfecho, de reunir - de alguma maneira - tudo o que foi
apresentado até ali. E, sobretudo, a presença-aparição-surgimento de um novo cenário: Marte.
Por vezes me pego pensando em verossimilhança, mas não como uma exigência que me obrigaria a tornar "real" toda a dimensão "poética" (ou fantástica) dessa criação. Há várias verossimilhanças e penso que a mais importante é a interna ou interior, a própria diegese dessa trama.
Adiante, Liberano. Você já chegou em Marte agora é destruir tudo: espalhar amor!
Fato é que neste mês de março eu quase nada escrevi. O motivo é que estou terminando de escrever o romance e tem sido um desafio tremendo. A última postagem fiz antes de ir para Vassouras, onde passei o carnaval a escrever.
Hoje, quase antes do início de abril, ainda tenho muito a fazer. Nessa primeira quinzena de abril o meu foco é finalizar o romance e as cenas finais. São mais cinco capítulos-cenas e nunca antes senti tanta dificuldade. É óbvio. Aquela coisa do desfecho, de reunir - de alguma maneira - tudo o que foi
apresentado até ali. E, sobretudo, a presença-aparição-surgimento de um novo cenário: Marte.
Por vezes me pego pensando em verossimilhança, mas não como uma exigência que me obrigaria a tornar "real" toda a dimensão "poética" (ou fantástica) dessa criação. Há várias verossimilhanças e penso que a mais importante é a interna ou interior, a própria diegese dessa trama.
Adiante, Liberano. Você já chegou em Marte agora é destruir tudo: espalhar amor!
sexta-feira, 18 de janeiro de 2019
Encontro #4
Em nosso quarto encontro (terça, 15 de janeiro de 2019, de 09h/13h no CCBB), estivemos apenas eu e Márcio. Levei uma nova versão sobre o que é, quem é YELLOW BASTARD. Lemos e conversamos muito. Por se tratar de uma criação em criação, posso afirmar que tudo ainda está em aberto e que, pouco a pouco, encontramos os sentidos que se tornam mais sensíveis a nós e, por extensão - imaginamos -, ao nosso espectador. Destaco alguns aspectos determinantes que foram conversados:
- a questão das idades em Marte, quando um ser gera outro, quantos anos geralmente dura uma existência marciana etc.;
- percorremos a vida de Yellow desde sua infância: foi amamentado (e isso contribuiu para a coloração de sua pele ir ficando branca no correr dos anos); não viu muitos espelhos (logo, não tomou compreensão de si e muito menos investiu demasiada importância na noção de indivíduo); suas festas de aniversário, feitas pela mãe terráquea, sempre foram muito amarelas, dando a ele alguma sensação de pertencimento ao mundo; na adolescência, respondia aos bullyings com leveza e ingenuidade e, como que por distração, sobreviveu a todos eles; adulto, tornou-se advogado de defesa, especializado em causas relacionadas aos direitos humanos; após sua formação, foi compreendendo ser preciso atuar num drama social, cimentando um pouco a sua bondade para dar lugar a um homem bem-sucedido e capaz de sobreviver na selva da cidade;
- o aspecto crístico (de Cristo) é o seguinte: sua bondade, nutrida pela mãe terráquea, sempre foi rebatida (fosse nos bullyings vividos na adolescência ou nas dificuldades da vida adulta e profissional), porém, Yellow sempre respondeu a tudo de modo a se desculpar, nunca sofrendo os problemas, mas sempre tentando compreende-los a fim de melhorar a si mesmo e a situação. Porém, em analogia ao percurso de Jesus, podemos pensar: sendo esse ser libertário, confiante e praticante do amor independente das dificuldades, Yellow seria prontamente crucificado, seria morto. A questão então é: ele, progressivamente, vai cimentando essa bondade em si mesmo e se tornando um homem duro, não propriamente violento ou rude, mas com um brilho mais apagado. Quando tudo é revirado e ele volta a Marte, aí sim este homem escondido dentre dele, sua versão crística, finalmente precisa aparecer, pois em Marte a violência é muito maior e o amor, por extensão, também precisa ser muito mais destemido; para concluir seu percurso, poderíamos dizer que o Yellow Bastard que se faz surgir na crise de meia idade desse "homem" nada mais é do que o retorno à própria infância;
- três questões fazem o amarelo de sua pele (re)aparecer: 1) a morte da mãe terráquea; 2) a revelação dita por ela, antes de morrer, de que ele não veio dela, de que ele não veio branco; e 3) a conexão abrupta e inexplicável com algo muito distante e intenso (o ser que o gerou e que está, a sua espera, em Marte). Pode-se dizer que a pele amarelar nada mais é do que um intenso processo de alta, altíssima exposição;
- três lutas se abrem a partir dessa virada em sua vida, em sua existência, quase ao completar cinquenta anos: 1) a luta contra a situação de ser alguém que subitamente se tornou amarelo; 2) a luta para compreender, para entender toda essa situação; e 3) a luta com essa espécie de chamado que há fora de si, um chamado de Marte (ele ainda não compreende);
- sobre Marte ser outro planeta a partir da afirmação terráquea: "se esse é o mundo que temos, eu devo então ter nascido noutro planeta". Em outras palavras: Marte, em nossa criação, é um planeta despótico (tal como a Terra está se tornando) e a Terra, onde há o amor, é uma chave capaz de modificar as dinâmicas em Marte.
Um dia antes desse encontro, enviei para uma amiga advogada (Tatiana Alvim) um áudio, pedindo a ela que me dissesse um pouco sobre a sua vida, sua rotina como advogada. Neste quarto encontro, eu e Márcio ouvimos aos seus áudios e vários aspectos sobre ser advogado nos chamaram a atenção:
- a imposição de uma indumentária aos advogados;
- algumas tarefas extremamente burocráticas como "alimentar o sistema";
- tarefas "interessantes" como pegar uma demanda, estudar a causa, encontrar brechas na lei para a defesa de um cliente, enfim, inventar uma história para realizar a defesa (algo, a propósito, muito presente em qualquer filme com advogados e defesas diversas);
- NESSE PONTO, INVESTINDO NAS ANALOGIAS QUE VENHO PERSEGUINDO, DESTACO >>> o advogado é também um contador de histórias <<< ELE ENTENDE A SITUAÇÃO, MONTA NO PAPEL A SUA NARRATIVA E FAZ A SUA DEFESA, A SUA PERFORMANCE;
- também sofre o drama da consciência, tendo que ser (defender) aquilo que você não é (não acredita);
- a boa sensação de defender algo que o seu senso de justiça defenderia;
- e as relações de trabalho, os encontros e amizades que acabam sendo criados (minha amiga Tat descreve um gesto feito por uma funcionária com a qual ela não se dava muito bem, um gesto de profundo cuidado e bondade).
Por fim, compartilho a seguir algumas imagens de uma história em quadrinhos que o Márcio levou como referência, ASTERIOS POLYP, de David Mazzucchelli:
- a questão das idades em Marte, quando um ser gera outro, quantos anos geralmente dura uma existência marciana etc.;
- percorremos a vida de Yellow desde sua infância: foi amamentado (e isso contribuiu para a coloração de sua pele ir ficando branca no correr dos anos); não viu muitos espelhos (logo, não tomou compreensão de si e muito menos investiu demasiada importância na noção de indivíduo); suas festas de aniversário, feitas pela mãe terráquea, sempre foram muito amarelas, dando a ele alguma sensação de pertencimento ao mundo; na adolescência, respondia aos bullyings com leveza e ingenuidade e, como que por distração, sobreviveu a todos eles; adulto, tornou-se advogado de defesa, especializado em causas relacionadas aos direitos humanos; após sua formação, foi compreendendo ser preciso atuar num drama social, cimentando um pouco a sua bondade para dar lugar a um homem bem-sucedido e capaz de sobreviver na selva da cidade;
- o aspecto crístico (de Cristo) é o seguinte: sua bondade, nutrida pela mãe terráquea, sempre foi rebatida (fosse nos bullyings vividos na adolescência ou nas dificuldades da vida adulta e profissional), porém, Yellow sempre respondeu a tudo de modo a se desculpar, nunca sofrendo os problemas, mas sempre tentando compreende-los a fim de melhorar a si mesmo e a situação. Porém, em analogia ao percurso de Jesus, podemos pensar: sendo esse ser libertário, confiante e praticante do amor independente das dificuldades, Yellow seria prontamente crucificado, seria morto. A questão então é: ele, progressivamente, vai cimentando essa bondade em si mesmo e se tornando um homem duro, não propriamente violento ou rude, mas com um brilho mais apagado. Quando tudo é revirado e ele volta a Marte, aí sim este homem escondido dentre dele, sua versão crística, finalmente precisa aparecer, pois em Marte a violência é muito maior e o amor, por extensão, também precisa ser muito mais destemido; para concluir seu percurso, poderíamos dizer que o Yellow Bastard que se faz surgir na crise de meia idade desse "homem" nada mais é do que o retorno à própria infância;
- três questões fazem o amarelo de sua pele (re)aparecer: 1) a morte da mãe terráquea; 2) a revelação dita por ela, antes de morrer, de que ele não veio dela, de que ele não veio branco; e 3) a conexão abrupta e inexplicável com algo muito distante e intenso (o ser que o gerou e que está, a sua espera, em Marte). Pode-se dizer que a pele amarelar nada mais é do que um intenso processo de alta, altíssima exposição;
- três lutas se abrem a partir dessa virada em sua vida, em sua existência, quase ao completar cinquenta anos: 1) a luta contra a situação de ser alguém que subitamente se tornou amarelo; 2) a luta para compreender, para entender toda essa situação; e 3) a luta com essa espécie de chamado que há fora de si, um chamado de Marte (ele ainda não compreende);
- sobre Marte ser outro planeta a partir da afirmação terráquea: "se esse é o mundo que temos, eu devo então ter nascido noutro planeta". Em outras palavras: Marte, em nossa criação, é um planeta despótico (tal como a Terra está se tornando) e a Terra, onde há o amor, é uma chave capaz de modificar as dinâmicas em Marte.
Um dia antes desse encontro, enviei para uma amiga advogada (Tatiana Alvim) um áudio, pedindo a ela que me dissesse um pouco sobre a sua vida, sua rotina como advogada. Neste quarto encontro, eu e Márcio ouvimos aos seus áudios e vários aspectos sobre ser advogado nos chamaram a atenção:
- a imposição de uma indumentária aos advogados;
- algumas tarefas extremamente burocráticas como "alimentar o sistema";
- tarefas "interessantes" como pegar uma demanda, estudar a causa, encontrar brechas na lei para a defesa de um cliente, enfim, inventar uma história para realizar a defesa (algo, a propósito, muito presente em qualquer filme com advogados e defesas diversas);
- NESSE PONTO, INVESTINDO NAS ANALOGIAS QUE VENHO PERSEGUINDO, DESTACO >>> o advogado é também um contador de histórias <<< ELE ENTENDE A SITUAÇÃO, MONTA NO PAPEL A SUA NARRATIVA E FAZ A SUA DEFESA, A SUA PERFORMANCE;
- também sofre o drama da consciência, tendo que ser (defender) aquilo que você não é (não acredita);
- a boa sensação de defender algo que o seu senso de justiça defenderia;
- e as relações de trabalho, os encontros e amizades que acabam sendo criados (minha amiga Tat descreve um gesto feito por uma funcionária com a qual ela não se dava muito bem, um gesto de profundo cuidado e bondade).
Por fim, compartilho a seguir algumas imagens de uma história em quadrinhos que o Márcio levou como referência, ASTERIOS POLYP, de David Mazzucchelli:
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