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sábado, 23 de fevereiro de 2019

Sobre um homem como (quase) todos os outros

Era sobre isso que eu gostaria de refletir um pouco. Agora. Sábado. Quase meio dia. Tenho pensado muito sobre como podemos criar uma peça que seja mais comum ao mundo do que propriamente estranha. Pensado sobre a estranheza como uma dobra do comum, como uma revelação que é descoberta, que está ali premente, mas não ainda evidente. Acredito que esse tipo de investigação - esse elo primeiro com o espectador - está ocupando a minha atenção faz alguns anos.

Naturalmente, a cada novo trabalho, a cada nova criação, a investigação ganha outros contornos. Não há uma investigação certeira. Quando afirmo estar investigando algo é porque minha atenção vê isso (o tempo quase inteiro). Então é uma ocupação, algo que me ocupa, algo que me faz perguntar de modo mais intenso os propósitos de uma criação em teatro. (Não estou falando sobre a peça, propriamente sobre o que é a peça). Talvez queira falar sobre para que uma peça. Para quê? Ou antes: para quem?

As perguntas voltam e se revoltam. Em SINFONIA SONHO isso foi bastante pensado e praticado. Talvez não muito, mas estava ali a preocupação de laçar a atenção do espectador para, no caminho da narrativa, fazer com que ele se confrontasse com outras coisas, outras sensações, com alguma diferença (em relação ao comum). Isso, de acordo com Eugenio Barba, é a dramaturgia, é o trabalho das ações.

Em YELLOW BASTARD, creio, a questão está se revelando em muitos aspectos. No espaço, primordialmente, quando em sala de ensaio nós já sentimos que a proximidade do ato teatral com o espectador é bem rente. A noção de espetáculo desmorona integralmente. Não consigo sentir ou visualizar qualquer tipo de distância física: não vejo um espetáculo teatral, não vejo uma ação pictórica, em quadro, em tipologia espacial italiana.

A proximidade entre os corpos. A proximidade da narrativa. Uma narrativa comum, quase um flagra: vemos e acompanhamos um homem - um advogado de quase meia idade - que, subitamente, entra em questão com alguns aspectos de sua humanidade. Eis o nosso lugar, um homem em questão, a derrocada de um tipo de homem - vencedor - que perdeu a vida na tentativa de ganhá-la, no esforço de conquistar e vencer. É uma excelente proposição, eu acredito. Precisamos não apenas encená-la como também abrir espaço para o que possa vir a partir dessa derrocada.

O que surge? Um homem branco e vencedor que despedaça na nossa frente. E daí? E daí que a nossa trama talvez queira dizer que - a despeito desse projeto masculino e machista do homem que vence, que é vencedor, que vencerá - a despeito dessa trama da vitória há uma vida mais enérgica, mais pulsante - ou ao menos: uma vida outra, outra vida - sendo copiosamente amortecida, apaziguada, e que pouco a pouco vai minguando a vitalidade desse ser.

Há vida para além da vida que nos disseram ser a nossa vida.




Há humanidade para além do homem.

Fazer tremer o homem branco vencedor. Coloca-lo no espeto. E depois, apenas depois, ver como ele faz para se segurar. Ou, antes, ver como ele se esvai e, nisso, abre outras possibilidades para si e para o outro.

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