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domingo, 3 de março de 2019

Terreno-Marciano


Vejo como um raio-x. Uma tomografia do fora. Do fora dele, deste personagem. Por fora, tudo azul, literalmente, tudo azul. Uma paz, uma certeza, uma confiança de si (ainda quando há chuva). Sapatos lustrados, rosto limpo, pele sem acnes ou outros traços. Tudo limpo, suficientemente limpo a ponto de sugerir que talvez a própria noção de humano tenha sido ultrapassada, vencida. Um homem ciborgue, homem cujas funções biológicas - fisiológicas - estão todas em modo azul. Estão todas amenas e tranquilas, apaziguadas e contidas. Talvez seja forçoso imaginar um ser assim, mas é preciso ponderar - dada a vertigem de nossa sociedade capitalística - é preciso ponderar que sim, alguns seres estão buscando a vida-capa-de-revista. E isso não é um problema. Não é um problema até o momento em que você - que estava trancafiado nessa casca - resolve aparecer, irromper, jorrar, desfigurando tudo o que estava tranquilamente arquitetado.


Aí o seu dentro vira fora. O seu dentro, profundo e íntimo, quase um segredo, segredado, o seu dentro subitamente se expõe, te expõe e já não há mais nada a fazer exceto aceitar que escorra de dentro aquilo que você sempre foi, mas nunca se permitiu ser. Há buracos dentro de você. Há líquidos imiscíveis que se misturam. Incoerências que sobrevivem a despeito da sua tentativa de ser normal, de ser legível e belo, de ser rico e pleno, de ser, enfim, um homem de sucesso, mais um homem de sucesso. É como se fosse um raio-x do seu íntimo: agora ele está mexido, é menos bonito do que as aparências anteriores e azuis, no entanto, ainda assim o seu dentro é algo, é você, te constituiu, você não poderá nem conseguirá abandona-lo tão facilmente. Há ranhuras, texturas outras, há cores sem nome e equilíbrios precários. Há um corpo que já não é mais aquele forçosamente organizado. Há um revés, um azar mesmo, algo que te impedirá - para sempre - de voltar a ser aquela calmaria.




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