Há um dado que desorienta ou reorienta positivamente esta futura encenação. Antes, estava certo de que YELLOW aconteceria num palco italiano, novamente uma peça com os espectadores em posição frontal à cena. Por questões relativas ao patrocinador, nosso espetáculo terá que estrear num teatro cuja disposição espacial da peça pode ser qualquer uma, exceto italiana.
Num primeiro momento, alguns meses - é verdade -, isso me chateou. No momento seguinte, vi a chateação se transformando em um convite muito pertinente. Observo como eu, nessa posição de encenador, estava querendo privilegiar a mise-en-scène de YELLOW, a despeito do acontecimento, da ação propriamente dita.
Com essa exigência em termos espaciais, comecei a pesquisar na história do teatro alguns significados outros para o jogo que estamos começando a compor. E eis que encontro, a título de um exemplo, apenas um exemplo, uma encenação de 1962 feita por Jerzy Grotowski e os artistas de seu Teatro Laboratório. Trata-se de "Kordian".
É o próprio acontecimento da narrativa que o espaço "encena". Espectadores e atores misturados numa mesma sala. O olhar do público não é direcionado para um ponto fixo, mas, gosto de ler dessa maneira, é convidado a frequentar o espaço, entrar nas situações, recusá-las. Naturalmente, não quero dizer que me interessa simplesmente fazer algo parecido. Antes, me interessa perceber que estou acordando novamente a minha sensibilidade para os possíveis inúmeros que o teatro pode oferecer.
Se pensarmos YELLOW nesse grau de proximidade, vejo que intensificarei o trabalho do ator Márcio Machado, afinal, sua ação será colada ao espectador e - se quisermos fazer com que algo aconteça, que o ator dê seu corpo e sua alma a esse ser estrangeiro - assim, é como se colocássemos o espectador dentro da situação onde se encontra o extraterrestre.
Não importa definir. Importa lembrar que é determinante nos perguntarmos, incessantemente, nem bem o que queremos (porque acho que já estamos demasiadamente condicionados a querer "coisas" em cena), mas - essencialmente, precariamente, cruelmente - por que queremos que determinada "coisa" se dê de determinado modo.
Porque o fazer teatral tende a se formalizar por conta de nossa época, de nossa cultura, de nosso ego e de nossos medos e receios. Em um processo de criação, ao menos neste, quero ser muito radical em relação às escolhas, sem medo a me nortear; isso seria o que para mim é criar.
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