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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Uma impressão sobre o nosso YELLOW


É possível se perguntar "quem sou eu?" sem se perguntar "de onde eu vim?"? O homem amarelo de Yellow Bastard desperta para a consciência de si justamente ao tomar conhecimento da sua origem. É ao descobrir qual o ventre que o carregou e qual a terra em que nasceu que sua condição de extraterrestre se revela. O interessante é que esta revelação existencial é também revelação da dimensão política de sua existência. Ao descobrir a história do ventre que o carregou e a história da terra em que nasceu, o personagem dá-se conta da relação entre seu nascimento e as assombrosas circunstâncias que o engendraram. O que vemos em cena, a partir daí, é a vertigem de sua tomada de consciência.

Foto de Thaís Grechi


É bonito pensarmos em um estado de consciência vertiginosa. A gente associa consciência à ordem, coerência, clareza, controle, e estar em vertigem seria a experiência oposta: caos, paradoxo, indefinição, perda do eixo. A consciência vertiginosa seria a lucidez no desequilíbrio, a clareza na convulsão do caos, a atenção integral do corpo diante da febre de uma verdade. O extraterrestre de Yellow Bastard é tomado por este estado diante do choque da revelação de sua história, e é na potência deste estado que cria sua resposta ao pavor e ao medo. Opta pela ação ao invés da paralisação. É bonito pensarmos que em estado de consciência vertiginosa somos capazes de gerar respostas inventivas à barbárie.

Na cena em que o personagem escuta a história da sua origem, a qualidade de presença do ator Márcio Machado também tem muito deste estado. Em contraponto às minuciosas e precisas partituras físicas da primeira parte da peça, que correspondem, dramaturgicamente, ao cotidiano automatizado do personagem, o que vemos agora é um corpo vulnerável, um corpo resplandecente porque vulnerável. O rigor físico se mantém, mas aqui o ator, ao invés de controlar seus movimentos, deixa-se afetar por eles. Ao invés de dançar, é dançado. Me parece que a partir desta cena Márcio aciona uma qualidade de presença mais receptiva do que ativa, mais permeável e porosa à imprevisibilidade de ser e de ser cenicamente. Sua respiração se evidencia e torna-se ação. Fiquei com a impressão de que estava assistindo a um ator não sabendo, no melhor sentido do termo. E habitar o não saber é tão corajoso. A gente tem medo. A gente tem medo do nosso próprio fulgor.

Por Tomás Braune

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