É possível se perguntar "quem sou eu?" sem se
perguntar "de onde eu vim?"? O homem amarelo de Yellow Bastard
desperta para a consciência de si justamente ao tomar conhecimento da sua
origem. É ao descobrir qual o ventre que o carregou e qual a terra em que
nasceu que sua condição de extraterrestre se revela. O interessante é que esta
revelação existencial é também revelação da dimensão política de sua existência.
Ao descobrir a história do ventre que o carregou e a história da terra em que
nasceu, o personagem dá-se conta da relação entre seu nascimento e as
assombrosas circunstâncias que o engendraram. O que vemos em cena, a partir
daí, é a vertigem de sua tomada de consciência.
Foto de Thaís Grechi |
É bonito pensarmos em um estado de consciência vertiginosa.
A gente associa consciência à ordem, coerência, clareza, controle, e estar em
vertigem seria a experiência oposta: caos, paradoxo, indefinição, perda do
eixo. A consciência vertiginosa seria a lucidez no desequilíbrio, a clareza na
convulsão do caos, a atenção integral do corpo diante da febre de uma verdade.
O extraterrestre de Yellow Bastard é tomado por este estado diante do choque da
revelação de sua história, e é na potência deste estado que cria sua resposta
ao pavor e ao medo. Opta pela ação ao invés da paralisação. É bonito pensarmos que
em estado de consciência vertiginosa somos capazes de gerar respostas inventivas
à barbárie.
Na cena em que o personagem escuta a história da sua origem,
a qualidade de presença do ator Márcio Machado também tem muito deste estado. Em
contraponto às minuciosas e precisas partituras físicas da primeira parte da peça,
que correspondem, dramaturgicamente, ao cotidiano automatizado do personagem, o
que vemos agora é um corpo vulnerável, um corpo resplandecente porque
vulnerável. O rigor físico se mantém, mas aqui o ator, ao invés de controlar
seus movimentos, deixa-se afetar por eles. Ao invés de dançar, é dançado. Me
parece que a partir desta cena Márcio aciona uma qualidade de presença mais
receptiva do que ativa, mais permeável e porosa à imprevisibilidade de ser e de
ser cenicamente. Sua respiração se evidencia e torna-se ação. Fiquei com a
impressão de que estava assistindo a um ator não sabendo, no melhor sentido do
termo. E habitar o não saber é tão corajoso. A gente tem medo. A gente tem medo
do nosso próprio fulgor.
Por Tomás Braune
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