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terça-feira, 24 de outubro de 2017

Superfície - Landscape


Ontem, eu, Andrêas Gatto e Márcio Machado fomos ao cinema assistir "Blade Runner 2049". Foi uma interessante experiência, talvez mais por aquilo que nossas conversas anunciaram sobre YELLOW BASTARD do que propriamente sobre o filme, que é bastante interessante. O que escrevo nesta manhã fria e um pouco chuvosa de outubro é sobre tudo aquilo que, pouco a pouco, sem esforço, vai se firmando em mim sobre esta nova criação.

Três atos? Divisão da ação: clausura, depois liberdade, depois extra-Terra. Primeiro ele enclausurado. Depois ele quando conhecendo e tocando o horror humano. Por fim ele em sua casa de origem, em Marte. Ou seja: o espaço determina a (escrita da) ação, o espaço situa as ações: situações. Assim, a dimensão temporal se modifica. Não é linear a sua cronologia. Ela começa com ele na prisão (não teríamos um prólogo). Depois resgata vivências dele antes de ser preso. E, por fim, ele já liberto do planeta Terra, ele em Marte.

No que me serve essas especulações sobre a divisão da ação? Elas me ajudam a compor, pouco a pouco, o plano da dramaturgia. Não me deixam cair na armadilha do detalhe. Aos poucos, por conta desse jogo de esboço da ação, vai se anunciando justamente o que é importante nessa fábula. O que precisa ser dito? Sempre para fora. O que precisa ser dito e em qual momento? O que o leitor-espectador já sabe? Um balanço entre sensação e informação.

Algumas coisas se anunciaram:

- A questão com as dimensões do universo: a princípio, nós, seres humanos, acessamos apenas quatro, mas parece existir cerca de dez;

- Se esse personagem, por ser nascido em Marte, possui outra sensibilidade (eis aqui o poder do super herói), essa sensibilidade outra (estrangeira, distinta do ser humano) é justamente o nosso fazer artístico, é justamente a arte, o teatro, a poesia. Assim, nosso personagem tem algo que o homem terráqueo não tem: um outro tipo de sensibilidade (eu diria, arriscando e me lançando um problema, que há algo aqui da "ficção" de Rancière, ou seja, este personagem é alguém com altíssima disponibilidade para se colocar no lugar do outro, para mudar de posição);

- Através dessa sensibilidade, ele entra em contato com alguns acontecimentos da história (não apenas recente) da humanidade e tais acontecimentos confirmam o seu estrangeirismo: ele fica completamente amarelo ao se confrontar com o horror humano. Quanto mais horror, mais ele se reconhece a si mesmo: afirmação trágica da vida, Nietzsche;

... > DIMENSÕES > SENSIBILIDADE RADICAL > ESTRANGEIRISMO > ...

Quanto mais se é sensível mais se é estranho à condição humana.

E ele é o auge dessa sensibilidade-estranheza. Ele não é humano e essa não é a questão, a questão que se anuncia é: o que é o humano aos olhos desse ser? Quem é o ser humano aos olhos dessa outra espécie que não é terrestre, que não é humana?

As abstrações precisam cair. Marte é o deus da guerra. Quem inventou isso? Talvez este nosso marciano não queira guerra, não esteja preocupado em dominar nem colonizar. Outras narrativas, por favor.

Vasculhar os mitos.
Profaná-los.
Que abismo.

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